sábado, 12 de agosto de 2017

O Limpa - Palavras


                                   Álvaro Magalhães

Limpo palavras.
Recolho-as à noite, por todo o lado:
a palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor.
Trato delas durante o dia
enquanto sonho acordado.
A palavra solidão faz-me companhia.

Quase todas as palavras
precisam de ser limpas e acariciadas:
a palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar.
Algumas têm mesmo de ser lavadas,
é preciso raspar-lhes a sujidade dos dias
e do mau uso.
Muitas chegam doentes,
outras simplesmente gastas, estafadas,
dobradas pelo peso das coisas
que trazem às costas.


A palavra pedra pesa como uma pedra.
A palavra rosa espalha o perfume no ar.
A palavra árvore tem folhas, ramos altos.
Podes descansar à sombra dela.
A palavra gato espeta as unhas no tapete.
A palavra pássaro abre as asas para voar.
A palavra coração não pára de bater.
Ouve-se a palavra canção.
A palavra vento levanta os papeis no ar
e é preciso fechá-la na arrecadação.

No fim de tudo voltam os olhos para a luz
e vão para longe,
leves palavras voadoras
sem nada que as prenda à terra,
outra vez nascidas pela minha mão:
a palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão.

A palavra obrigado agradece-me.
As outras não.
A palavra adeus despede-se.
As outras já lá vão, belas palavras lisas
e lavadas como seixos do rio:
a palavra ciúme, a palavra raiva, a palavra frio.

Vão à procura de quem as queira dizer,
de mais palavras e de novos sentidos.
Basta estenderes a mão para apanhares
a palavra barco ou a palavra amor.

Limpo palavras.
A palavra búzio, a palavra lua, a palavra palavra.
Recolho-as à noite, trato delas durante o dia.
A palavra fogão cozinha o meu jantar.
A palavra brisa refresca-me.
A palavra solidão faz-me companhia.

sábado, 29 de julho de 2017

                                                Quando

                                                       Carlos Drumond de Andrade

“Quando o poder, que emana do povo, deixa de ser exercido, ou contra o povo se exerce, alegando servi-lo;
quando a autoridade carece de autoridade, e o legítimo se declara ilegítimo;
quando a lei é uma palavra batida e pisada, que se refugia nas catacumbas do direito;
quando os ferros da paz se convertem em ferros de insegurança;
quando a intimidação faz ouvir suas árias enervantes, e até o silêncio palpita de ameaças;
quando faltam a confiança e o arroz, a prudência e o feijão, o leite e a tranquilidade das vacas;
quando a fome é industrializada em slogans, e mais fome se acumula quanto mais se promete ou se finge combater a fome;
quando o cruzeiro desaparece no sonho de uma noite de papel, por trás de um cortejo de alegrias especuladoras e de lágrimas assalariadas;
quando o mar de pronunciamentos frenéticos não deixa fluir uma gota sequer de verdade;
quando a gorda impostura das terras dadas enche a boca dos terratenentes;
quando a altos brados se exigem reformas, para evitar que elas se implantem, e assim continuem a ser reclamadas como dividendo político;
quando os reformadores devem ser reformados;
quando a incompetência acusa o espelho que a revela dizendo que a culpa é do espelho;
quando o direito constitucional é uma subdisciplina militar e substitui a disciplina pura e simples;
quando plebiscito é palavra mágica para resolver aquilo que a imaginação e a vontade dos que a pronunciam não souberam resolver até hoje;
quando se dá ao proletariado a ilusão de decidir o que já foi decidido à sua revelia, e a ilusão maior de que é em seu benefício;
quando os piores homens reservam para si o pregão das melhores ideias, falsificando-as;
quando é preciso ter mais medo do governo do que os males que ao governo compete conjurar;
quando o homem sem culpa, à hora de dormir, indaga de si mesmo se amanhã acordará de sentinela à porta;
quando os generais falam grosso em nome de seus exércitos, que não podem falar para desmenti-los;
quando tudo anda ruim, e a candeia da esperança se apaga, e o If de Kipling na parede não resolve;
então é hora de recomeçar tudo outra vez, sem ilusão e sem pressa, mas com a teimosia do inseto que busca um caminho no terremoto. ”


segunda-feira, 21 de março de 2016

2º J


Poesia
Música
Teatro
Coreografia
Explicação das poesias
Guilherme
Leone
Isabella
Isabelly
Gabriel dos Santos
Letícia
Kamila
Gabriel Rosa
Fernanda
Beatriz Vitória
Felipe
Flávia
Ingrid
Gabriel S.
Raquel
Gustavo
André
Kairo
Alisson
Rebeca
Brenda
Sabrina
Aylana
Marcela M.

Beatriz F.
Samuel

Leonardo

Luiz Felipe
Igor



Tâmara






Documentação
Teoria
Milena
Eliadny
Bárbara
Gabriela
Ana Layla

Arthur



Amor e Medo
                            Casimiro de Abreu
Quando eu te vejo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
— "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"

Como te enganas! meu amor, é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela — eu moço; tens amor, eu
medo...

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.

O véu da noite me atormenta em dores
A luz da aurora me enternece os seios,
E ao vento fresco do cair das tardes,
Eu me estremece de cruéis receios.
[...]
No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem,
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!

Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço,
Anjo enlodado nos pauis da terra.

Depois... desperta no febril delírio, 
— Olhos pisados — como um vão lamento,
Tu perguntaras: que é da minha coroa?...
Eu te diria: desfolhou-a o vento!...

Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito!
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!..

Seus olhos
                           Gonçalves Dias

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
Estrelas incertas, que as águas dormentes
Do mar vão ferir;


Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Têm meiga expressão,
Mais doce que a brisa, — mais doce que o nauta
De noite cantando, — mais doce que a frauta
Quebrando a solidão,


Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
São meigos infantes, gentis, engraçados
Brincando a sorrir.


São meigos infantes, brincando, saltando
Em jogo infantil,
Inquietos, travessos; — causando tormento,
Com beijos nos pagam a dor de um momento,
Com modo gentil.


Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Às vezes luzindo, serenos, tranqüilos,
Às vezes vulcão!


Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco,
Tão frouxo brilhar,
Que a mim me parece que o ar lhes falece,
E os olhos tão meigos, que o pranto umedece
Me fazem chorar.


Assim lindo infante, que dorme tranqüilo,
Desperta a chorar;
E mudo e sisudo, cismando mil coisas,
Não pensa — a pensar.


Nas almas tão puras da virgem, do infante,
Às vezes do céu
Cai doce harmonia duma Harpa celeste,
Um vago desejo; e a mente se veste
De pranto co'um véu.


Quer sejam saudades, quer sejam desejos
Da pátria melhor;
Eu amo seus olhos que choram em causa
Um pranto sem dor.



Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,
De vivo fulgor;
Seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
Que falam de amores com tanta poesia,
Com tanto pudor.


Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Eu amo esses olhos que falam de amores
Com tanta paixão.

 A flor do maracujá                        
                                    Fagundes Varela

Pelas rosas, pelos lírios, 
Pelas abelhas, sinhá, 
Pelas notas mais chorosas 
Do canto do Sabiá, 
Pelo cálice de angústias 
Da flor do maracujá ! 
Pelo jasmim, pelo goivo, 
Pelo agreste manacá, 
Pelas gotas de sereno 
Nas folhas do gravatá, 
Pela coroa de espinhos 
Da flor do maracujá. 

[...]

Pelo mar, pelo deserto, 
Pelas montanhas, sinhá ! 
Pelas florestas imensas 
Que falam de Jeová ! 
Pela lança ensangüentado 
Da flor do maracujá ! 

Por tudo que o céu revela ! 
Por tudo que a terra dá 
Eu te juro que minh'alma 
De tua alma escrava está !!.. 
Guarda contigo este emblema 
Da flor do maracujá ! 

Não se enojem teus ouvidos 
De tantas rimas em - a - 
Mas ouve meus juramentos, 
Meus cantos ouve, sinhá! 
Te peço pelos mistérios 
Da flor do maracujá!

Adeus
                 Castro Alves
 
ADEUS! P'ra sempre adeus! A voz dos ventos
Chama por mim batendo contra as fragas.
Eu vou partir... em breve o oceano
Vai lançar entre nós milhões de vagas ...

[,,,]

Vi de repente o passado
Erguer-se em face de mim...
A rir... a rir, como espectro,
De uma ironia sem fim.


A orquestra, as luzes, o teatro, as flores
Tu no meio da festa que fulgura
Tu! sempre a mesma! a mesma! Tu! meu Deus!
Não morri neste instante de loucura ...


Quebra-te pena maldita
Que não podes escrever
A horror de angústias e mágoas
Que então me viste sofrer.


[...]

Eu — já não tenho mais vida!
Tu — já não tens mais amor!
Tu — só vives para os risos.
Eu — só vivo para a dor.


Tu vais em busca da aurora!
Eu em busca do poente!
Queres o leito brilhante!
Eu peço a cova silente!


Não te iludas! O passado
P'ra sempre quebrado está!
Desce a corrente do rio...
E deixa-o sepulto lá!


Viste-me... E creste um momento
Qu'inda me tinhas amor!. i.
Pobre amiga! Era lembrança,
Era saudade... era dor!


Obrigado! Mas na terra
Tudo entre nós se acabou!
Adeus! ... É o adeus extremo...
A hora extrema soou.


Quis te odiar, não pude. — Quis na terra
Encontrar outro amor. — Foi-me impossível.
Então bendisse a Deus que no meu peito
Pôs o germe cruel de um mal terrível.


Sinto que vou morrer! Posso, portanto,
A verdade dizer-te santa e nua,.
Não quero mais teu amor! Porém minh'alma
Aqui, além, mais longe, é sempre tua.
 

As sem-razões do amor
                 Carlos Drummond de Andrade

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.


Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.


Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.


Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
 
Canção
   Cecília Meireles

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar


Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos 
colore as areias desertas.


O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...


Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo 
e o meu sonho desapareça.


Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Amar 
  
                  
Carlos Drummond de Andrade
Que pode uma criatura senão entre criaturas, amar?
Amar e esquecer?
Amar e malamar

Amar, desamar e amar
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
Sozinho, em rotação universal,
se não rodar também, e amar?

Amar o que o mar trás a praia,
O que ele sepulta, e o que, na brisa marinha
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amor inóspito, o áspero
Um vaso sem flor, um chão de ferro, e o peito inerte,
e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este é o nosso destino:
amor sem conta, distribuído pelas coisas
pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor

Amar a nossa mesma falta de amor,
e na secura nossa, amar a água implícita,
e o beijo tácito e a sede infinita.

Bilhete
        Mario Quintana

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

2º I



Poesia
Música e coreografia
Teatro
Explicação das poesias
Documentação, mídia e folder
Teoria (direção)
Gustavo
Samuel
Thainara
Júlio
Ariane
Layslla
Thaís
Kérolly
Marcella
Matheus S.
Ana Carolina
Josué
Brenno
Caroline
Ana Paula
Eduarda
Thiago

Sarah
Bárbara F.
Amanda
Daniele


Bárbara G.
Vitória



Maria
Ellen
Pedro Henrique



Bruno
Douglas




Matheus Victor
Ellen





Rafael













Este inferno de amar
                           Almeida Garret

Este inferno de amar – como eu amo!
Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é vida – e que a vida destrói.
Como é que se veio atear,
Quando – ai se há-de ela apagar?

Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez… foi um sonho.
Em que a paz tão serena a dormi!
Oh! Que doce era aquele olhar…
Quem me veio, ai de mim! Despertar?

Só me lembra que um dia formoso
Eu passei… Dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? Eu que fiz? Não o sei;
Mas nessa hora a viver comecei…

Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino
Vim cumprir o meu destino...
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.


Mascarada

Manuel Bandeira

Você me conhece? 
(Frase dos mascarados de antigamente) 

- Você me conhece? 
- Não conheço não. 
- Ah, como fui bela! 
Tive grandes olhos, 
que a paixão dos homens 
(estranha paixão!) 
Fazia maiores... 
Fazia infinitos. 
Diz: não me conheces? 
- Não conheço não. 

- Se eu falava, um mundo 
Irreal se abria 
à tua visão! 
Tu não me escutavas: 
Perdido ficavas 
Na noite sem fundo 
Do que eu te dizia... 
Era a minha fala 
Canto e persuasão... 
Pois não me conheces? 
- Não conheço não. 
- Choraste em meus braços 
- Não me lembro não. 

- Por mim quantas vezes 
O sono perdeste 
E ciúmes atrozes 
Te despedaçaram! 

Por mim quantas vezes 
Quase tu mataste, 
Quase te mataste, 
Quase te mataram! 
Agora me fitas 
E não me conheces? 

- Não conheço não. 
Conheço que a vida 
É sonho, ilusão. 
Conheço que a vida, 
A vida é traição.

Lembrança de morrer
    Álvares de Azevedo

Quando em meu peito rebentar-se a fibra, 
Que o espírito enlaça à dor vivente, 
Não derramem por mim nenhuma lágrima 
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura 
A flor do vale que adormece ao vento: 
Não quero que uma nota de alegria 
Se cale por meu triste passamento. 

Eu deixo a vida como deixa o tédio 
Do deserto, o poento caminheiro, 
– Como as horas de um longo pesadelo 
Que se desfaz ao dobre de um sineiro; 

[...]

Só levo uma saudade – é dessas sombras 
Que eu sentia velar nas noites minhas… 
De ti, ó minha mãe, pobre coitada, 
Que por minha tristeza te definhas!

[...]

Se uma lágrima as pálpebras me inunda, 
Se um suspiro nos seios treme ainda, 
É pela virgem que sonhei… que nunca 
Aos lábios me encostou a face linda!

Só tu à mocidade sonhadora 
Do pálido poeta deste flores… 
Se viveu, foi por ti! e de esperança 
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua, 
Verei cristalizar-se o sonho amigo… 
Ó minha virgem dos errantes sonhos, 
Filha do céu, eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário 
Na floresta dos homens esquecida, 
À sombra de uma cruz, e escrevam nela: 
Foi poeta - sonhou - e amou na vida.

[...]






Se se morre de amor
                             Gonçalves Dias

Se se morre de amor! – Não, não se morre,
Quando é fascinação que nos surpreende
De ruidoso sarau entre os festejos;
Quando luzes, calor, orquestra e flores
Assomos de prazer nos raiam n’alma,
Que embelezada e solta em tal ambiente
No que ouve e no que vê prazer alcança!

[...]

Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração – abertos
Ao grande, ao belo, é ser capaz d’extremos,
D’altas virtudes, té capaz de crimes!
Compreender o infinito, a imensidade
E a natureza e Deus; gostar dos campos,
D’aves, flores,murmúrios solitários;
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
E ter o coração em riso e festa;
E à branda festa, ao riso da nossa alma
fontes de pranto intercalar sem custo;
Conhecer o prazer e a desventura
No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
O ditoso, o misérrimo dos entes;
Isso é amor, e desse amor se morre!


O "adeus" de Teresa
Castro Alves

A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos E depois na sala
"Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala


E ela, corando, murmurou-me: "adeus."


Uma noite entreabriu-se um reposteiro. . .
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus
Era eu Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse conservando-a presa


E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"


Passaram tempos sec'los de delírio
Prazeres divinais gozos do Empíreo
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse - "Voltarei! descansa!. . . "
Ela, chorando mais que uma criança,


Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"


Quando voltei era o palácio em festa!
E a voz d'Ela e de um homem lá na orquestra
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! Ela me olhou branca surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!


E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"

Teresa

                    Manuel Bandeira

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna
  
Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
  
Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

Quadrilha
          Carlos Drummond de Andrade

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o 
convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto
Fernandes
que não tinha entrado na história.

Quero
        Carlos Drummond de Andrade

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.
Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?
Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.
Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.

Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.